Pular para o conteúdo principal

Entrevista: Cibercrime: anonimato e falta de leis dificultam ação policial

Reprodução da entrevista que concedi à Thais Sabatini, da InformationWeek, publicada dia 24 de agosto de 2012:

Emerson Wendt, delegado da polícia civil do RS, fala sobre falta de padrão na atuação e de conversas entre forças estaduais e federais também atrapalham

O sentimento de impunidade, a falta de leis, o anonimato e a falta de padrão de atuação entre as polícias federais, exército e polícias estaduais dificulta o combate ao cibercrime. Emerson Wendt, delegado da polícia civil do estado do Rio Grande do Sul, explicou, durante o a Cúpula Latino-Americana de Analistas de Segurança 2012, em Quito (Equador), em entrevista à InformationWeek Brasil, os motivos pelos quais é tão difícil manter esses criminosos na cadeia e, muitas vezes, até identificá-los. A seguir, você confere os principais trechos da conversa.

InformationWeek Brasil – Quais são os desafios que o cibercrime trazem para o governo?

Emerson Wendt – Acredito que a questão da ciberdefesa é uma atribuição do Exército brasileiro. Nesse caso, o que poderia melhorar é a interação desse órgão com as polícias estaduais, no sentido de maior troca de informações. Além disso, poderiam proporcionar um treinamento para as forças estaduais em um parâmetro mais macro, porque, em determinadas situações, como em um ataque de negação de serviço, que pode ser crime, a Polícia Federal atuará quando a vítima é a nação, mas quando o Estado é o alvo, a Polícia Civil ficará responsável. É claro que os órgãos que tem esse acompanhamento poderiam ter informações que poderiam auxiliar as polícias estaduais.

IWB – E para a segurança pública?

Wendt – O principal desafio para a segurança pública, que é responsável pelo Estado, é criar uma atuação padrão no País. Deve-se criar um padrão de trabalho e de investigação. Além de ter uma coordenação central que pudesse acompanhar casos que acontecem em determinados Estados para estabelecer uma ação proativa nos outros que não foram alvos. Ou seja, trabalhar com um serviço de inteligência para o cibercrime

IWB – Como a polícia brasileira tem se preparado para lidar com essa situação?

Wendt – A Polícia Federal tem uma unidade que trabalha nisso e possui treinamento padrão para a repressão. Por exemplo, em uma fraude bancária contra a Caixa Econômica Federal a atuação é da Polícia Federal. Para lidar com a investigação, eles têm um projeto chamado tentáculo que analisa cada caso. Dentro deste escopo, eles pesquisam e, se descobrem uma ação padrão, instauram um inquérito. Não é como a polícia estadual que instaura um procedimento para cada caso registrado. Não existe ainda um trabalho unitário em termos estaduais.

IWB – Qual é o principal empecilho para o combate a esse tipo de ação no País?

Wendt – Existem três circunstancias: a primeira, é que hoje um provedor no Brasil não tem a obrigação de guardar o serviço de um usuário que se conecta à internet ou a um serviço nela. A segunda, é que mesmo em atendimento à uma ordem judicial, esses provedores não têm prazo para dar uma resposta ao pedido policial. E a terceira é a questão das lan houses. Muitos crimes são praticados nelas e – em muitos estados – elas não têm a obrigação legal de guardar os registros de quem se conecta. Ou seja, tem ocasiões nas quais, durante uma investigação, chegamos em uma lan house e não conseguimos dar continuidade. Por isso, precisamos do estabelecimento de um padrão de comportamento dos provedores e administradores de redes de TI. Caso contrário, as vítimas continuarão a ser penalizadas duas vezes.

IWB – O que o Brasil precisa para lutar contra o cibercrime?

Wendt – Temos várias dificuldades em combater esses crimes, por várias circunstancias. Muitas vezes, a própria vítima acaba por não nos trazer o que realmente importa. A vítima tem que saber preservar a prova e não simplesmente formatar a máquina. Muitas vezes, a máquina dela nos interessa. Ou, na rede social, quando há uma ofensa por Facebook, ela denuncia o perfil, só que não se lembra de guardar a URL e imprimir a página. Quando vai registrar a ocorrência, já não tem mais a informação de qual é a URL. Isso prejudica a investigação. Tem, ainda, o caso do e-mail, quando ela recebe, fica ofendida, imprime e apaga o e-mail, mas o que vem por trás do e-mail, que é o código fonte, é o que me interessa, é o caminho percorrido pela mensagem. A outra questão é a formação de policiais e autoridades públicas. Também falta um padrão de tratamento em algumas circunstâncias, como é o caso de interceptação de internet como existe na Europa, que é um termo de recepção de internet.

IWB – Quais são as principais armas utilizadas contra esses criminosos?

Wendt – Utilizamos a engenharia social como uma arma contra o cibercrime, mas é lógico que nós temos que obter uma autorização legal para usar a ferramenta que o criminoso utiliza. Nós procuramos utilizar a mesma forma de atuação dele, contra ele. Então, poderia dizer que é isso. Também utilizamos o agente infiltrado, mas só em casos de organização criminosa. Além disso, também usamos a delação premiada, onde identificamos o co-autor de um crime e damos um benefício, como redução de pena, quando ele entrega a organização criminosa.
 
Link da entrevista, aqui.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lista dos Estados que possuem Delegacias de Polícia de combate aos Crimes Cibernéticos

Esta ideia começou com o post sobre os órgãos especializados no enfrentamento aos crimes virtuais , que estava desatualizado. Estou fazendo essa atualização com vistas a uma melhor orientação às pessoas. Muitos já copiaram e replicaram este post, sem atualizar os dados e sem referenciar a fonte, mas o que importa é a difusão da informação. O primeiro aspecto de um registro de ocorrência de um crime virtual é saber o que levar ao conhecimento da Polícia Judiciária. Por isso, sugiro a leitura do post sobre como proceder em casos de crimes virtuais, deste blog. Crimes virtuais: com proceder? Então, vamos à lista dos Estados brasileiros onde você pode encontrar atendimento especializado, não esquecendo que se você não se encontra na cidade ou Estado em que há um órgão policial específico você pode e deve registrar a ocorrência na Delegacia de Polícia mais próxima . O que não pode é deixar o fato sem o conhecimento de uma Autoridade Policial. -  Rio Grande do Su...

Estamos entre os melhores Delegados de Polícia, segundo Censos de 2017, 2018, 2019, 2021, 2022, 2023, 2024 e 2025

No ano de 2017 já havíamos sido agraciados com a distinção e citação dentre os melhores Delegados de Polícia na Categoria Jurídica.  Em 2018 e 2019, segundo o Portal Nacional dos Delegados , fomos novamente escolhidos, dentre os Melhores Delegados de Polícia do Brasil, na Categoria Gestão. Assim, ficamos muito lisonjeados pelo reconhecimento nacional em termos de gestão , especialmente pelo trabalho frente ao Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil, o CONCPC, e, também, da atividade de inteligência. Vejam a lista completa dos agraciados de 2019, clicando aqui . No ano de 2021, fiquei entre os melhores delegados em duas categorias: No ano de 2022 , novamente ficamos entre os melhores: Seguimos em frente.

Como ter acessso aos livros de Emerson Wendt?

Resolvi fazer esta postagem em virtude dos questionamentos em como adquirir os livros que escrevi/organizei/participei com colegas e amigos do RS e outros Estados, além de autores fora do Brasil. Assim, lá vai, inclusive os que estão para download: Livro, em recurso eletrônico (eBook), publicado em 2011 em parceria com a Editora Delpos. Avalia os aspectos sobre a (in)segurança virtual no Brasil, desde o contexto da guerra cibernética, o cibercrime e os incidentes na Internet e como eles são/deveriam ser avaliados sob a ótica da atividade de inteligência. Link para download: Academia.edu . 2ª Edição do livro Crimes Cibernéticos - Ameaças e Procedimentos de Investigação (escrito em parceria com o Dr. Higor Jorge) : - Esgotado!! - eBook: a editora Brasport disponibilizou a aquisição do livro em formato eBook, o que pode ser feito neste link  (1ª Edição) ou neste link (2ª Edição). O preço é mais atraente, pois fica pela metade do valor do livro impresso. 1ª Edição do...